segunda-feira, 23 de abril de 2012

"...mas eu não sabia que era índio..."





"...mas eu não sabia que era índio..."



Os acontecimentos suscitados por essas imagens revelam os ecos de uma mentalidade engendrada nos últimos séculos antes de cristo e que reverbera, com outros timbres, até os nossos dias. E encontram na Era da Expansão marítima o seu tom mais fúnebre. Quaisquer que sejam os resquícios de humanidade, estes se encontram reprimidos pela atroz convicção de que religiosa e culturalmente “o outro não sou eu”. Permitindo-se os europeus o massacre físico e cultural de incontáveis seres humanos. Contudo o fatídico só nos mostra da pior perspectiva que o que precede o olhar é cego. E cegamente consentimos prosseguir nesta história...    
                                                        






sexta-feira, 13 de abril de 2012

Poemeto I



Quero ser maior que o outro
Como não posso
Fantasio que posso
E afago o que não sou






















                                                                                                                                   

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A relevância de um olhar






Um tiro a queima roupa por uma espingarda. Não tenho ideia do estrago que isso deve causar ao corpo de uma pessoa. Poderia buscar respaldo científico para me ajudar a descrevê-la. O impacto de um projétil de chumbo de uma determinada distância. Deflagrado por um artefato bélico provavelmente de longa data. Quase todo enferrujado, diga-se de passagem, com cheiro de óleo Singer, não por isso menos letal. Irrompendo a caixa torácica de uma mulher de um metro e setenta, vinte oito anos, caucasiana branca. Peso a cima do IMC recomendado. Lançada ao chão talvez mal varrido de uma casa sem os padrões de conforto urbano no Estado de Rondônia. Cidade sem muitos padrões de conforto urbano.
O relato enfadonho desse fato não importa. Uma mulher foi morta. Muitas mulheres são mortas. Talvez agora, outras mulheres estão sendo mortas. Mas as condições em que uma pessoa é morta nos parecem sempre mais relevantes das que outra pessoa é morta. A morta a que me refiro tem uma condição relevante. O que não consigo entender; pois, todas as mortes possuem uma condição seja ela qual for relevante! A morta aqui vivia do extrativismo. A natureza servia seu sustento e lhe provia sem contanto comprometer-se integralmente. Ao contrário da atividade de extração castradora do bioma amazônico que em maior ou menor grau nunca é dado um mínimo de relevância.  Mas a minha morta, eu espero ao fim desse texto, também sua morta, foi a óbito por um “pau- mandado”, um burocrata digamos... privado! Tão mais eficiente quanto um público. E põe eficiência nisso. Foi apenas um tiro. Eficiência: menos custos, mais benefícios  
O “pau-mandado” é um indivíduo cuja conduta ou significado dela pouco importa. Não. O “pau-mandado” não é um indivíduo, é uma coisa. Um objeto abjeto de pronta execução de uma dada ordem deliberada verticalmente. E de quem é esta ordem e porque desta podemos falar agora de uma morta. Poderia denunciar agora uma macro-estrutura de poder com fins econômicos e disparates políticos cujos interesses estão à cima de uma morta que pode se passar cinicamente por uma morte irrelevante. Ou resumir tudo numa questão da Questão do Conflito Agrário no Brasil. Não vou delatar. Por que minhas limitações, nossas limitações (não duvide disso) só nos permite olhar a fim de entender a relevância dessa morta.
Só olhar é conveniente no século XXI. Tomo aqui conveniente no sentido de seguro. Lembre-se que estamos falando de uma morta. E como também, pelo menos eu entendo, é seguro olharmos pela perspectiva do outro, vou eu tentar então me projetar no olhar do outro. Mas qual outro! Da morta, sem chance! Do burocrata bem aplicado, não dá... Ele não tem olhar. Da macro-estrutura de poder, muito menos, ela tem mais olhares que um aracnídeo peçonhento. Do Estado, no meu estado não daria para ver nada. Da imprensa, eu iria ver... não, não eu não iria ver... De quem então?
Dinhana Nink tinha um filho de cinco anos que viu sua mãe ser brutalmente assassinada por um tiro de espingarda em sua própria casa na região de Nova Califórnia, Rondônia no dia 31 de Março de 2012, por denunciar a exploração e apropriação ilegal de terras onde famílias retiram sua fonte de alimento e renda para sobreviverem. Meu olhar, seu olhar, é dessa criança. Que vê uma tragédia na sua frente sem poder fazer nada. Que aceita a condição imposta atônita, estarrecida, passivamente expropriada de seu semelhante. Podemos nos projetar no olhar dessa criança, mas nunca, nunca poderíamos fazer o mesmo com sua dor.